Primeiro texto de 2013! Um breve conto.
Por quanto você venderia um dia de vida?
Era meu aniversário. Estava fazendo trinta
anos, nunca achei que chegaria tão longe. Sentado sozinho em um banco no parque da
cidade adoraria ter um cigarro para me fazer companhia, no entanto,
ocasionalmente crianças passavam correndo e eu sabia que o caseiro não iria
permitir que eu desse um mau exemplo.
A única opção foi comprar um pedaço de
bolo na padaria que havia a caminho daqui. Era terça-feira. No escritório em
que trabalhava havia a tradição de ganhar o dia de folga para que pudesse
aproveitar esta data especial.
Como eu não tinha planos acabei indo
para o trabalho como fazia todo dia, mas quando meu chefe percebeu insistiu que
eu fosse embora. Segundo ele “não se deve passar o aniversário preso em um
escritório quando está fazendo um dia tão bonito lá fora.” Devido a isso teria que
passar o dia assim, de papo para o ar.
O céu me parecia pálido e sonso, apesar
da copa da árvore estar fazendo uma sombra agradável. Me distrai apenas por um
momento e quando percebi alguém estava sentando ao meu lado.
Definitivamente havia algo de estranho
nele. Era alto, usava uma cartola colorida e comprida e um colete vermelho
sobra a camisa social branca. Para completar trajava bermudas jeans e sandálias. Que espécie de roupa
era aquela? E porque mesmo havendo tantos bancos vazios ele justamente sentara
do meu lado?
“Bom dia” cumprimentou de forma casual.
“Bom dia” respondi de mau grado. Não
estava a fim de conversar com ninguém, mas também não queria parecer
mal-educado.
Ele sorriu. O tipo de sorriso que
indicava que a pessoa iria contar sobre a vida toda. Estava acostumado com este
tipo de sorriso, o vira bastante enquanto trabalhava com o público no meu
último emprego. Apenas perguntava o nome e a idade para poder fazer o cadastro
e quando percebia o potencial cliente já estava falando sobre a nova dieta do
papagaio do sobrinho da vizinha. Suspirei antes de me levantar pronto para ir
embora, e foi quando com delicadeza ele colocou a mão em meu ombro e perguntou:
“Já vai?”
“Sim. Estou um pouco ocupado.”
“Ocupado no seu aniversário mesmo tendo
ganhado o dia de folga?”
Como ele sabia daquilo? Será que tinha
sido enviado pelo meu chefe para garantir que eu não voltasse para o
escritório?
“Eu irei comemorar meu aniversário em
casa.” Como aquilo não parecia muito convincente emendei dizendo, “tem uma
festa esperando por mim.”
Não era mentira. Seria uma festa de uma
única pessoa.
“Isto é uma pena” disse ele. “Por um
momento achei que você era alguém patético que iria acabar passando o
aniversário sozinho comendo um pedaço de bolo. Se fosse este o caso eu teria
uma proposta interessante para você.”
Voltei a me sentar. Não sabia que tipo
de proposta era e mesmo não querendo lhe dar o gosto de estar certo a meu
respeito, como um homem de negócios eu tinha que saber do que se tratava.
“De que proposta você está falando?”
“Eu gostaria de comprar os seus dias de
vida.”
“O quê?” questionei confuso.
“Quero comprar alguns dos seus dias de
vida. Não se preocupe, não irá doer nada, para falar a verdade você nem sequer
irá sentir.”
“Mas… como?”
“Os detalhes não importam. Você está
interessado?”
Não dava para acreditar naquilo, mesmo
assim estava curioso. Se ele iria comprar, quanto pagaria? Foi justamente isso
que perguntei a ele.
“Podemos negociar. O preço médio do
mercado é três dias de subvida por
cada dia de vida.”
“Subvida?”
“Você não sabe o que é? Basicamente são
estes dias que você vive. Dias patéticos e cotidianos onde tudo que você faz é
armazenar recursos para os verdadeiros dias de vida. Seja estudando ou
trabalhando. São aqueles dias em que nada que você faz é memorável ou
divertido. Dias que passam e não deixam lembranças. Já os verdadeiros dias de
vida são o oposto disto.”
“E o que eu ganho com essa troca?”
“Você sobrevive por mais tempo.”
“Mas será uma vida em que nada que você
faz é divertido ou memorável.” Argumentei utilizando suas próprias palavras.
“Possivelmente. Mas não se preocupe,
depois de algum tempo você sempre consegue acumular mais dias de vida.”
“E o que você ganha?”
“Eu ganho o prazer de viver
intensamente” respondeu sem um momento de hesitação.
Eu sabia que aquilo significava uma vida
curta e portanto não conseguia entender o motivo disto. Ele parecia ter quase
minha idade só que o seu rosto, suas feições eram completamente diferentes.
Desde o momento em que o vira sabia que havia algo de estranho que me
incomodava nele. Mas não eram as suas roupas, era o fato dele ser claramente e
genuinamente feliz.
“E então, aceita a troca? Como é seu
aniversário, eu estou disposto a oferecer até mesmo quatro dias…”
“Quantos dias de subvida e de vida você
ainda tem?”
“Eu não sei.”
“Você já parou para pensar que reduzindo
sua vida assim você irá morrer logo? E se você trocar quatro dias comigo e
morrer amanhã?”
“E se eu não trocar e viver quatro dias
vazios antes de morrer?” questionou em resposta.
Eu fiquei pensativo em silêncio durante
algum tempo antes dele declarar.
“Vivendo bastante você pode fazer várias
coisas, como por exemplo…” ele nitidamente teve dificuldade de encontrar alguma
coisa que eu pudesse fazer, até que disse “como trabalhar mais e acumular mais dinheiro.
Existem pessoas que vivem vidas tão longas que são chamados de imortais. São
ricos e poderosos depois de anos trabalhando. Você nunca desejou ser rico e imortal?
Se essa ideia lhe agradar, enquanto eu tiver dias de subvida restante nós poderemos voltar a fazer negócios.”
“Imortais? A que preço? Uma vida longa e
tediosa. E de que adiantará ter tanto dinheiro se não haverá sequer tempo para
gastá-lo, com as coisas que realmente importam?”
“Coisa que importam? Você sabe o que é
isso? Afinal você já vive assim, está tão acostumado com o cotidiano, que viver
alguns dias a mais ou a menos na mesma situação não faria diferença nenhuma. Alguém
que não consegue nem sequer aproveitar o próprio aniversário não tem como saber
o que é a vida. Sinto lhe dizer isso,
mas não suportaria passar um dia como você” comentou ele sincero.
Furioso decidi me lembrar da última
coisa emocionante que havia feito para esfregar na cara dele e provar que eu
sabia viver. Só que não consegui. Quando foi que eu tinha até mesmo parado de
tentar me divertir e perseguir meus sonhos? Quando foi a última vez que havia
feito alguma coisa pela primeira vez? Eu sorri diante da verdade.
“Desculpe, mas irei recusar sua
proposta.”
Ele colocou a mão na cartola com um
cumprimento formal.
“Isto é uma pena. Mas a graça da vida é
justamente as suas surpresas mesmo algumas não sendo tão boas. Foi um prazer
conversar com você, desejo-lhe uma vida plena e feliz.”
“Digo o mesmo.”
Ele caminhou para longe. Não tinha
certeza se aquela proposta era real ou se ele era apenas mais um louco no
parque. Só que quando eu olhei para o céu ele estava azul como há muito tempo
não o via.
Comi meu bolo com poucas garfadas e
levantei. Era o momento de ir criar novas lembranças e verdadeiramente viver aquele dia.
Muitas vezes deixamos que a rotina nos domine e perdemos o prazer de viver, esquecemos que a felicidade só de depende nós, de como encaramos a vida. Nunca deixe pra ser feliz amanhã, pois o amanhã pode não chegar. Adorei!!
ResponderExcluirPois é...
ResponderExcluirA fatia de bolo pode ser sempre da mesma receita,
porém cada mordida que se tira dela pode ter um novo sabor.
Muito interessante teu conto, me fez refletir no aproveitamento
da vida.
Abraços literários!